terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Conferencia sobre Desenvolvimento Sustentável e as Áreas Protegidas na Guiné- Bissau: Ação da Diáspora pela Proteção do Parque Natural das Lagoas de Cufada-

“O estatuto Jurídico das lagoas de Cufada e as suas implicações na definição de Politicas Públicas de desenvolvimento” por Welena Silva Mestrando em Ciências Jurídico-Ambientais na FDUL welenasilva@gmail.com 

Welena Silva
É para mim uma honra estar aqui hoje e ter esta oportunidade para trazer algumas notas sobre o estatuto jurídico das lagoas de Cufada e as implicações que isso tem na definição de politicas públicas de desenvolvimento na Guiné-Bissau. 
Agradeço o convite que me foi formulado e aproveito este momento para felicitar os organizadores deste evento pela brilhante iniciativa e dizer-lhes que estamos juntos nessa luta.Espero que esta conferência vai servir para alertar não só, os atuais governantes, mas toda a sociedade de que devemos respeitar as leis do país e os compromissos internacionais assumidos, porque a Guiné-Bissau é um Estado de Direito, ainda que no plano formal, e isso significa, grosso modo, que a atuação quer de entidades públicas quer de pessoas físicas ou jurídicas deve ter fundamento e enquadramento na lei sob pena de arbitrariedade tornar-se regra abrindo, como é óbvio, caminho para a instalação da desordem e caos social. Tendo em conta o pouco tempo que disponho para apresentar o tema, vou procurar trazer o essencial obedecendo a seguinte ordem:
Em primeiro lugar vou fazer breves considerações introdutórias e de enquadramento sobre a proteção do ambiente, em especial da biodiversidade através do Sistema Nacional das Áreas Protegidas na Guiné-Bissau.
2 De seguida e, entrando no cerne da minha exposição, vou tentar responder a questão que me foi colocada, ou seja, qual é o estatuto jurídico das lagoas de Cufada e as suas implicações na definição de politicas públicas de desenvolvimento. Para responder esta questão vou, não só, dizer qual é o estatuto jurídico das lagoas de Cufada como também vou fazer uma analise jurídica crítica das leis internas que versam sobre a gestão das APs, em especial do parque natural das lagoas de Cufada. Por fim, espero ter tempo suficiente, para trazer algumas notas conclusivas da minha exposição e questões para a reflexão. Como dizem os jornalistas no início dos noticiários, conhecidos os tópicos, segue-se o desenvolvimento destas e doutras noticias. Ora bem, a proteção do ambiente na vertente tutela da biodiversidade é uma das maiores preocupações dos Estados modernos por causa da crescente perda da biodiversidade (registada nos últimos 70 anos) e outros fenómenos ambientais que estão a pôr em causa o equilíbrio planetário, nomeadamente as alterações climáticas.
A tomada de consciência sobre os problemas ambientais e o papel da ação antrópica na criação desses problemas, levou a que o tema da proteção do ambiente e da biodiversidade fosse inscrito na agenda da comunidade internacional o que originou, num primeiro momento, o surgimento de muitos movimentos cívicos pró-ambiente cujo impacto das suas ações levou a convocação e realização de várias conferências e reuniões internacionais, continentais, regionais e nacionais em que o tema central foi a proteção do ambiente, sendo a primeira delas, a nível mundial, a conferência de Estocolmo de 1972.
É curioso notar que a Guiné-Bissau apesar de participar na conferência do Rio de 1992 e ter ratificado as três convenções do rio – (Convenção sobre a Diversidade Biológica, Convenção sobre as Alterações Climáticas e a Convenção sobre a luta contra a seca e desertificação) o tema da proteção do ambiente não mereceu atenção do legislador constituinte derivado em 1996, altura em que se operou a última revisão constitucional da CRGB em vigor desde 1984.
3 Para ser mais claro, devo dizer que, apesar dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Guineense em matéria ambiental não há, na CRGB, nenhuma norma sobre a proteção do ambiente e muito menos a consagração expressa do direito fundamental ao ambiental, tal como acontece com as Constituições de quase todos os Estados modernos. Contudo, há uma referência ao “meio socioecológico” no artigo 15º ao definir o objetivo da saúde publica, que alguns juristas Bissau-guineenses têm entendido como a posição do legislador constitucional sobre a necessidade da preservação do ambiente. Não vamos por aí. Preferimos fazer o uso da cláusula aberta dos direitos fundamentais previsto no artigo 29º nº 1 da CRGB para integrar na constituição material guineense o direito fundamental ao ambiente consagrado na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos que no seu art.º. 24 consagra um direito humano ao ambiente. Suprida esta lacuna na CRGB, importa dizer que para tutelar esse direito fundamental, os Estados criam instrumentos jurídicos, políticos e outros julgados necessários para uma melhor proteção do ambiente. Na Guiné-Bissau, atualmente, existem dois instrumentos de maior relevo ao nível da proteção do ambiente, são eles: Avaliação de Impacto Ambiental e o Sistema Nacional das Áreas Protegidas, que são concretizações do princípio da prevenção da tutela ambiental. Permitam-me, ainda que em pinceladas, fazer uma breve resenha histórica do surgimento das Áreas Protegidas na Guiné-Bissau. 
Antes da independência, em 1948, a lagoa de Cufada foi considerada como uma reserva de fauna divido a rica biodiversidade animal que abriga e sua importância para as aves migratórias. Em 1980, depois da independência, foi declarada como uma área protegida pelo art.º 8º do Regulamento da Caça – Decreto nº 21 de 1980. Em 1988, o Ministério da Agricultura, através da Direção Geral das Florestas e Caça iniciou o projeto da Planificação Costeira, com a poio técnico e cientifico da UICN e financeira da Confederação Helvética (DDC). Esse protejo tinha como pano de fundo promover o desenvolvimento sustentável do país, em particular da zona costeira. 4 No quadro desse projeto, foram realizados um inventário faunístico com assistência do CECI (Centro Canadiano de Estudos e Cooperação Internacional), cujo resultado permitiu a elaboração de uma proposta preliminar de criação de uma rede de AP para a parte continental da Guiné-Bissau. Por outro lado, foi elaborada a primeira proposta de zonagem ecológico-económica e Planificação da zona costeira, propondo a criação de quatro parques nacionais, uma reserva de biosfera, reservas florestais e a gestão sustentável dos recursos naturais pelas populações residentes. Em 1992 o GPC com o apoio da UICN, iniciou o processo de negociação com as populações, autoridades oficiais e tradicionais com vista a criação do Parque em Orango e Cacheu. Em 1997 o processo foi concluído com a aprovação da 1ª Lei Quadro das APs (DL Nº 3/97, de 26 de maio), abrindo assim o caminho para a criação do Parque Nacional de Orango, Parque Natural dos Tarrafes do rio Cacheu e o Parque Natural das Lagoas de Cufada, cujos decretos de criação só foram publicados em 2000 devido ao conflito político-militar que assolou o país em 1998. De salientar que a lei quadro das APs foi revista em 2011 através do DL nº 5-A/2011. As áreas protegidas criadas em 2000 eram geridas pelo Núcleo das APs da UICN e, em parte, pela Direção Geral do Ambiente não obstante a lei prever a criação de um Conselho de Coordenação das APs com a missão de gestão das APs. Em 2005 foi criado o Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP), através do Decreto nº 1/2005 no quadro do projeto de Gestão da Biodiversidade e Zona Costeira financiado pelo Banco Mundial, com a missão de gerir as APs. Curiosamente, é no âmbito deste projeto que também foi criada, por despacho do Primeiro Ministro, a Célula de Avaliação de Impacto Ambiental (CAIA). É importante referir que a Guiné-Bissau adotou o modelo de gestão participativa das Aps, ou seja, no processo de criação, gestão e fiscalização participam não só as entidades estatais como também a população local, ONGs e Empresas que intervêm na zona.; uma espécie de governança ambiental muito em voga nos últimos anos, principalmente após o Rio + 20. 5 Atualmente, a Guiné-Bissau conta com uma rede nacional de 6 áreas protegidas, estando em vias de serem criadas mais duas na zona leste do país. Estatuto Jurídico 1. No plano internacional: A Guiné-Bissau ratificou a convenção RAMSAR (convenção sobre as zonas húmidas de importância internacional) em 14 de maio 1990 e nesta mesma data1 , Cufada foi classificada como sitio RAMSAR após a sua inscrição em 1 de março do mesmo ano.
Com a ratificação da convenção sobre as zonas húmidas de importância internacional, a Guiné-Bissau comprometeu-se, no plano internacional, a criar esforços para a conservação das zonas húmidas. Para a nossa reflexão deixo-vos duas disposições da convenção: O art.º 3º nº 1 dispõe: “As Partes Contratantes deverão elaborar e executar os seus planos de modo a promover a conservação das zonas húmidas incluídas na Lista e, na medida do possível, a exploração racional daquelas zonas húmidas do seu território” O art.º 4º nº 1 “Cada Parte Contratante deverá promover a conservação de zonas húmidas e de aves aquáticas estabelecendo reservas naturais nas zonas húmidas, quer estas estejam ou não inscritas na Lista, e providenciar à sua proteção apropriada” Para além da convenção RAMSAR a Guiné-Bissau é parte, desde 1 de setembro de 1995 da Convenção para a Conservação das Espécies Migradoras Pertencentes a Fauna Selvagem (CMS ou Convenção de Bona) e do Acordo Afro Euro-Asiático (AEWA) desde 1 de novembro de 2006, dedicado à conservação das aves aquáticas migratórias e dos 1 Isto porque o art.º 2º nº 4 da convenção RAMSAR prevê que “No momento da assinatura desta Convenção ou de depósito do seu instrumento de ratificação ou adesão, conforme preceitua o artigo 9.º cada Parte Contratante designará pelo menos uma zona húmida a ser incluída na Lista”. 6 seus habitats em toda a África, Europa, Médio Oriente, Ásia Central, Gronelândia e o arquipélago Canadense. Tanto a Convenção assim o Acordo, recomendam os Estados partes a identificarem os sítios importantes para as espécies migratórias e garantir a conservação desses sítios. Ora, Cufada é um dos 4 sítios na Guiné-Bissau… O artigo 4º nº 3 da convenção: “As Partes que são Estados da área de distribuição de espécie migratória… empenhar-se-ão para: a) Conservar e, quando possível e apropriado, restaurar os habitats que sejam importantes para afastar a referida espécie do perigo de extinção;
b) prevenir, remover, compensar ou minimizar, de forma apropriada, os efeitos adversos das atividades ou obstáculos que dificultam seriamente ou impedem a migração da referida espécie; ” A Guiné-Bissau ratificou também a CDB (em 27/10/1995) que no artigo 8º sob epígrafe Conservação in situ prevê que: Cada Parte Contratante deve: 
· Estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica”; 
· Promover a proteção de ecossistemas, habitats naturais e manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio natural; 
· Promover o desenvolvimento sustentável e ambientalmente sadio em áreas adjacentes às áreas protegidas a fim de reforçar a proteção dessas áreas;
No que se refere a AIA, a CDB prescreve no seu artigo 14º - Avaliação de Impacto e Minimização de Impactos Negativos Cada Parte Contratante deve:
a) estabelecer procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto ambiental de seus projetos propostos que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim de evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso, permitir a participação pública nesses procedimentos;
b) Tomar providências adequadas para assegurar que sejam devidamente levadas em conta as consequências ambientais de seus programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica; 7 2. Ao nível interno As lagoas de Cufada integram o Parque Natural das Lagoas de Cufada classificado pelo Decreto nº 13/2000. 
Sendo uma área protegida, goza de um regime especial de conservação divido a sua importância a nível nacional e internacional aqui sobejamente explicado. Por isso, para efeitos de exploração e conservação dos recursos no interior da Áreas Protegidas a lei prevê a divisão dos limites duma AP em zonas (principio da zonagem). A lei quadro de 1997, ao abrigo da qual o parque de Cufada foi instituído, previa duas zonas: zona de preservação natural e zona de exploração controlada, enquanto que a revisão do lei quadro das APs de 2011 prevê três zonas: zona de preservação integral, zona tampão e zona de desenvolvimento durável. É importante e urgente proceder a conformação do Decreto de criação do parque de Cufada, principalmente os seus limites e a respetiva zonagem, com o regime instituído pela revisão da lei operada em 2011.
Nas APs e no Parque de Cufada, em particular, é possível desenvolver atividades económicas, só que essas atividades devem ser compatíveis com os propósitos que nortearam a criação daquela AP daí que, para emissão de autorizações e licenças para a exploração dos recursos e ou exercício de outras atividades é necessário o parecer favorável do IBAP sob proposta do Diretor da respetiva área protegida bem como das comunidades locais. Em relação aos trabalhos imobiliários a lei prevê que “todo o trabalho imobiliário suscetível de modificar o estado natural do local … está subordinada à autorização do Diretor do IBAP, sob proposta do Diretor da respetiva Áreas Protegidas” pergunto e no caso das Áreas Protegidas que não têm um Diretor? As atividades sujeitas a AIA, antes da emissão da respetiva licença devem ter uma DCA favorável ou condicionalmente favorável que se obtém após a realização do EIA. A LBA do ambiente é muito clara em relação a AIA. Reza o art.º 32º nº 1 “os planos, projetos, programas, trabalhos e ações que possam afetar o ambiente e a qualidade de vida das pessoas, quer sejam da responsabilidade e iniciativa de um organismo da 8 administração central, regional ou local, quer de instituições públicas e privadas… terão de ser acompanhados de um EIA.” Conclusões Tudo o que dissemos até aqui permite concluir que, sendo Cufada uma área protegida reconhecida a nível nacional e internacional, qualquer projeto, programa, politica, enfim qualquer atividade a desenvolver no interior do parque ou zonas adjacentes devem ter em conta o estatuto de Cufada e isso, em termos práticos significa o quê? Significa, ates de tudo, o respeito pelas leis internas e compromissos internacionais assumidos pelo país no que tange a conservação da biodiversidade e em especial as regras aplicáveis ao PNCF. E em relação às APs no geral, eu acho que passados quase 20 anos após a institucionalização das APs na Guiné-Bissau é já altura para fazermos um balanço sério e construtivo relativamente ao modelo de gestão da APs na Guiné-Bissau e, qui ça, repensar o modelo. É urgente proceder a uma nova revisão da LQAP para clarificar melhor as competências do IBAP, das ONG´s e da comunidade local na gestão das APs. Isto porque, por um lado, tem havido conflitos positivos de competências entre o IBAP e instituições estatais que, em razão da matéria, têm a competência de gestão dos RN (pesca e floresta) e por outro lado, tem havido frequentemente, nos últimos anos, conflitos ou se preferirem desentendimentos entre ONG´s e os membros comunidade local. Alguém consegue explicar porquê é que alguns membros da comunidade onde o projeto está a ser construído insurgiram contra vozes que estão a contestar o projeto? Podem não ter a consciência dos prejuízos que a implementação do projeto poderá acarretar; podem ser incitados pelos políticos a proferirem tais declarações mediante uma quantia em troca ou uma promessa; mas será que essas são as únicas interpretações e perspetivas de ver o assunto? 9 Não sei a resposta, só sei que é preciso debater seriamente o atual modelo de gestão das APs. Por outro lado, é necessário investir mais e mais na educação ambiental dos nossos governantes e da sociedade guineense em geral para uma vrai tomada de consciência ambiental. Tudo o mundo acha que é bom conservar o ambiente mas, na prática, poucos fazem algo. Temos um problema ambiental grave mas que, por incrível que pareça, não tem merecido o devido tratamento. Refiro-me aos lixos nos centros urbanos… é preciso investi na formação de quadros nos domínios do ambiente e conservação. é preciso criminalizar certas condutas na natureza; é preciso um regime jurídico das contraordenações ambientais que não existe, etc. Um dos cartões de visita da Guiné-Bissau é a sua rica biodiversidade e os nossos governantes fazem a questão, quando participam em encontros internacionais, de realçarem esse fato, principalmente a larga superfície do território que é coberto pelo SNAP. Mas pergunto, na prática o que fazem para as APs? Quem é que financia as atividades de conservação que são implementados nas APs? Tal como prevê o plano estratégico e operacional terra ranka, o ambiente deve ser um tema transversal na definição de politicas públicas de desenvolvimento e, como dizia alguém, a política do ambiente deve esverdear as outras políticas setoriais se, de fato, queremos um desenvolvimento sustentável e sustentado na Guiné-Bissau. Tenho dito! 

Muito obrigado pela atenção!

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