“O estatuto Jurídico das lagoas de Cufada e as suas implicações na definição de Politicas Públicas de desenvolvimento” por Welena Silva Mestrando em Ciências Jurídico-Ambientais na FDUL welenasilva@gmail.com
Welena Silva |
É para mim uma honra estar aqui hoje e ter esta oportunidade para trazer
algumas notas sobre o estatuto jurídico das lagoas de Cufada e as implicações
que isso tem na definição de politicas públicas de desenvolvimento na
Guiné-Bissau.
Agradeço o convite que me foi formulado e aproveito este momento
para felicitar os organizadores deste evento pela brilhante iniciativa e
dizer-lhes que estamos juntos nessa luta.Espero que esta conferência vai
servir para alertar não só, os atuais governantes, mas toda a sociedade de que
devemos respeitar as leis do país e os compromissos internacionais assumidos,
porque a Guiné-Bissau é um Estado de Direito, ainda que no plano formal, e isso
significa, grosso modo, que a atuação quer de entidades públicas quer de
pessoas físicas ou jurídicas deve ter fundamento e enquadramento na lei sob
pena de arbitrariedade tornar-se regra abrindo, como é óbvio, caminho para a
instalação da desordem e caos social. Tendo em conta o pouco tempo que disponho
para apresentar o tema, vou procurar trazer o essencial obedecendo a seguinte
ordem:
Em primeiro lugar vou fazer breves considerações introdutórias e de
enquadramento sobre a proteção do ambiente, em especial da biodiversidade
através do Sistema Nacional das Áreas Protegidas na Guiné-Bissau.
2 De seguida
e, entrando no cerne da minha exposição, vou tentar responder a questão que me
foi colocada, ou seja, qual é o estatuto jurídico das lagoas de Cufada e as
suas implicações na definição de politicas públicas de desenvolvimento. Para
responder esta questão vou, não só, dizer qual é o estatuto jurídico das lagoas
de Cufada como também vou fazer uma analise jurídica crítica das leis internas
que versam sobre a gestão das APs, em especial do parque natural das lagoas de
Cufada. Por fim, espero ter tempo suficiente, para trazer algumas notas
conclusivas da minha exposição e questões para a reflexão. Como dizem os
jornalistas no início dos noticiários, conhecidos os tópicos, segue-se o
desenvolvimento destas e doutras noticias. Ora bem, a proteção do ambiente na
vertente tutela da biodiversidade é uma das maiores preocupações dos Estados
modernos por causa da crescente perda da biodiversidade (registada nos últimos
70 anos) e outros fenómenos ambientais que estão a pôr em causa o equilíbrio
planetário, nomeadamente as alterações climáticas.
A tomada de consciência
sobre os problemas ambientais e o papel da ação antrópica na criação desses
problemas, levou a que o tema da proteção do ambiente e da biodiversidade fosse
inscrito na agenda da comunidade internacional o que originou, num primeiro
momento, o surgimento de muitos movimentos cívicos pró-ambiente cujo impacto
das suas ações levou a convocação e realização de várias conferências e
reuniões internacionais, continentais, regionais e nacionais em que o tema
central foi a proteção do ambiente, sendo a primeira delas, a nível mundial, a
conferência de Estocolmo de 1972.
É curioso notar que a Guiné-Bissau apesar de
participar na conferência do Rio de 1992 e ter ratificado as três convenções do
rio – (Convenção sobre a Diversidade Biológica, Convenção sobre as Alterações
Climáticas e a Convenção sobre a luta contra a seca e desertificação) o tema da
proteção do ambiente não mereceu atenção do legislador constituinte derivado em
1996, altura em que se operou a última revisão constitucional da CRGB em vigor
desde 1984.
3 Para ser mais claro, devo dizer que, apesar dos compromissos
internacionais assumidos pelo Estado Guineense em matéria ambiental não há, na
CRGB, nenhuma norma sobre a proteção do ambiente e muito menos a consagração
expressa do direito fundamental ao ambiental, tal como acontece com as
Constituições de quase todos os Estados modernos. Contudo, há uma referência ao
“meio socioecológico” no artigo 15º ao definir o objetivo da saúde publica, que
alguns juristas Bissau-guineenses têm entendido como a posição do legislador
constitucional sobre a necessidade da preservação do ambiente. Não vamos por aí.
Preferimos fazer o uso da cláusula aberta dos direitos fundamentais previsto no
artigo 29º nº 1 da CRGB para integrar na constituição material guineense o
direito fundamental ao ambiente consagrado na Carta Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos que no seu art.º. 24 consagra um direito humano ao ambiente.
Suprida esta lacuna na CRGB, importa dizer que para tutelar esse direito
fundamental, os Estados criam instrumentos jurídicos, políticos e outros
julgados necessários para uma melhor proteção do ambiente. Na Guiné-Bissau,
atualmente, existem dois instrumentos de maior relevo ao nível da proteção do
ambiente, são eles: Avaliação de Impacto Ambiental e o Sistema Nacional das
Áreas Protegidas, que são concretizações do princípio da prevenção da tutela ambiental.
Permitam-me, ainda que em pinceladas, fazer uma breve resenha histórica do
surgimento das Áreas Protegidas na Guiné-Bissau.
Antes da independência, em
1948, a lagoa de Cufada foi considerada como uma reserva de fauna divido a rica
biodiversidade animal que abriga e sua importância para as aves migratórias. Em
1980, depois da independência, foi declarada como uma área protegida pelo art.º
8º do Regulamento da Caça – Decreto nº 21 de 1980. Em 1988, o Ministério da
Agricultura, através da Direção Geral das Florestas e Caça iniciou o projeto da
Planificação Costeira, com a poio técnico e cientifico da UICN e financeira da
Confederação Helvética (DDC). Esse protejo tinha como pano de fundo promover o
desenvolvimento sustentável do país, em particular da zona costeira. 4 No
quadro desse projeto, foram realizados um inventário faunístico com assistência
do CECI (Centro Canadiano de Estudos e Cooperação Internacional), cujo
resultado permitiu a elaboração de uma proposta preliminar de criação de uma
rede de AP para a parte continental da Guiné-Bissau. Por outro lado, foi
elaborada a primeira proposta de zonagem ecológico-económica e Planificação da
zona costeira, propondo a criação de quatro parques nacionais, uma reserva de
biosfera, reservas florestais e a gestão sustentável dos recursos naturais
pelas populações residentes. Em 1992 o GPC com o apoio da UICN, iniciou o
processo de negociação com as populações, autoridades oficiais e tradicionais
com vista a criação do Parque em Orango e Cacheu. Em 1997 o processo foi
concluído com a aprovação da 1ª Lei Quadro das APs (DL Nº 3/97, de 26 de maio),
abrindo assim o caminho para a criação do Parque Nacional de Orango, Parque
Natural dos Tarrafes do rio Cacheu e o Parque Natural das Lagoas de Cufada,
cujos decretos de criação só foram publicados em 2000 devido ao conflito
político-militar que assolou o país em 1998. De salientar que a lei quadro das
APs foi revista em 2011 através do DL nº 5-A/2011. As áreas protegidas criadas
em 2000 eram geridas pelo Núcleo das APs da UICN e, em parte, pela Direção
Geral do Ambiente não obstante a lei prever a criação de um Conselho de
Coordenação das APs com a missão de gestão das APs. Em 2005 foi criado o
Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP), através do Decreto
nº 1/2005 no quadro do projeto de Gestão da Biodiversidade e Zona Costeira
financiado pelo Banco Mundial, com a missão de gerir as APs. Curiosamente, é no
âmbito deste projeto que também foi criada, por despacho do Primeiro Ministro,
a Célula de Avaliação de Impacto Ambiental (CAIA). É importante referir que a
Guiné-Bissau adotou o modelo de gestão participativa das Aps, ou seja, no
processo de criação, gestão e fiscalização participam não só as entidades
estatais como também a população local, ONGs e Empresas que intervêm na zona.;
uma espécie de governança ambiental muito em voga nos últimos anos,
principalmente após o Rio + 20. 5 Atualmente, a Guiné-Bissau conta com uma rede
nacional de 6 áreas protegidas, estando em vias de serem criadas mais duas na zona
leste do país. Estatuto Jurídico 1. No plano internacional: A Guiné-Bissau
ratificou a convenção RAMSAR (convenção sobre as zonas húmidas de importância
internacional) em 14 de maio 1990 e nesta mesma data1 , Cufada foi classificada
como sitio RAMSAR após a sua inscrição em 1 de março do mesmo ano.
Com a
ratificação da convenção sobre as zonas húmidas de importância internacional, a
Guiné-Bissau comprometeu-se, no plano internacional, a criar esforços para a
conservação das zonas húmidas. Para a nossa reflexão deixo-vos duas disposições
da convenção: O art.º 3º nº 1 dispõe: “As Partes Contratantes deverão elaborar
e executar os seus planos de modo a promover a conservação das zonas húmidas
incluídas na Lista e, na medida do possível, a exploração racional daquelas
zonas húmidas do seu território” O art.º 4º nº 1 “Cada Parte Contratante deverá
promover a conservação de zonas húmidas e de aves aquáticas estabelecendo
reservas naturais nas zonas húmidas, quer estas estejam ou não inscritas na
Lista, e providenciar à sua proteção apropriada” Para além da convenção RAMSAR
a Guiné-Bissau é parte, desde 1 de setembro de 1995 da Convenção para a
Conservação das Espécies Migradoras Pertencentes a Fauna Selvagem (CMS ou
Convenção de Bona) e do Acordo Afro Euro-Asiático (AEWA) desde 1 de novembro de
2006, dedicado à conservação das aves aquáticas migratórias e dos 1 Isto porque
o art.º 2º nº 4 da convenção RAMSAR prevê que “No momento da assinatura desta
Convenção ou de depósito do seu instrumento de ratificação ou adesão, conforme
preceitua o artigo 9.º cada Parte Contratante designará pelo menos uma zona
húmida a ser incluída na Lista”. 6 seus habitats em toda a África, Europa,
Médio Oriente, Ásia Central, Gronelândia e o arquipélago Canadense. Tanto a
Convenção assim o Acordo, recomendam os Estados partes a identificarem os
sítios importantes para as espécies migratórias e garantir a conservação desses
sítios. Ora, Cufada é um dos 4 sítios na Guiné-Bissau… O artigo 4º nº 3 da
convenção: “As Partes que são Estados da área de distribuição de espécie
migratória… empenhar-se-ão para: a) Conservar e, quando possível e apropriado,
restaurar os habitats que sejam importantes para afastar a referida espécie do
perigo de extinção;
b) prevenir, remover, compensar ou minimizar, de forma
apropriada, os efeitos adversos das atividades ou obstáculos que dificultam
seriamente ou impedem a migração da referida espécie; ” A Guiné-Bissau
ratificou também a CDB (em 27/10/1995) que no artigo 8º sob epígrafe
Conservação in situ prevê que: Cada Parte Contratante deve:
· Estabelecer um sistema de
áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas para
conservar a diversidade biológica”;
· Promover a proteção de ecossistemas, habitats naturais e
manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio natural;
· Promover o desenvolvimento
sustentável e ambientalmente sadio em áreas adjacentes às áreas protegidas a
fim de reforçar a proteção dessas áreas;
No que se refere a AIA, a CDB
prescreve no seu artigo 14º - Avaliação de Impacto e Minimização de Impactos
Negativos Cada Parte Contratante deve:
a) estabelecer procedimentos adequados
que exijam a avaliação de impacto ambiental de seus projetos propostos que
possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim de
evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso, permitir a participação
pública nesses procedimentos;
b) Tomar providências adequadas para assegurar
que sejam devidamente levadas em conta as consequências ambientais de seus
programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade
biológica; 7 2. Ao nível interno As lagoas de Cufada integram o Parque Natural
das Lagoas de Cufada classificado pelo Decreto nº 13/2000.
Sendo uma área
protegida, goza de um regime especial de conservação divido a sua importância a
nível nacional e internacional aqui sobejamente explicado. Por isso, para
efeitos de exploração e conservação dos recursos no interior da Áreas Protegidas
a lei prevê a divisão dos limites duma AP em zonas (principio da zonagem). A
lei quadro de 1997, ao abrigo da qual o parque de Cufada foi instituído, previa
duas zonas: zona de preservação natural e zona de exploração controlada,
enquanto que a revisão do lei quadro das APs de 2011 prevê três zonas: zona de
preservação integral, zona tampão e zona de desenvolvimento durável. É
importante e urgente proceder a conformação do Decreto de criação do parque de
Cufada, principalmente os seus limites e a respetiva zonagem, com o regime
instituído pela revisão da lei operada em 2011.
Nas APs e no Parque de Cufada,
em particular, é possível desenvolver atividades económicas, só que essas
atividades devem ser compatíveis com os propósitos que nortearam a criação
daquela AP daí que, para emissão de autorizações e licenças para a exploração
dos recursos e ou exercício de outras atividades é necessário o parecer
favorável do IBAP sob proposta do Diretor da respetiva área protegida bem como
das comunidades locais. Em relação aos trabalhos imobiliários a lei prevê que
“todo o trabalho imobiliário suscetível de modificar o estado natural do local
… está subordinada à autorização do Diretor do IBAP, sob proposta do Diretor da
respetiva Áreas Protegidas” pergunto e no caso das Áreas Protegidas que não têm
um Diretor? As atividades sujeitas a AIA, antes da emissão da respetiva licença
devem ter uma DCA favorável ou condicionalmente favorável que se obtém após a
realização do EIA. A LBA do ambiente é muito clara em relação a AIA. Reza o
art.º 32º nº 1 “os planos, projetos, programas, trabalhos e ações que possam
afetar o ambiente e a qualidade de vida das pessoas, quer sejam da
responsabilidade e iniciativa de um organismo da 8 administração central,
regional ou local, quer de instituições públicas e privadas… terão de ser
acompanhados de um EIA.” Conclusões Tudo o que dissemos até aqui permite
concluir que, sendo Cufada uma área protegida reconhecida a nível nacional e
internacional, qualquer projeto, programa, politica, enfim qualquer atividade a
desenvolver no interior do parque ou zonas adjacentes devem ter em conta o
estatuto de Cufada e isso, em termos práticos significa o quê? Significa, ates
de tudo, o respeito pelas leis internas e compromissos internacionais assumidos
pelo país no que tange a conservação da biodiversidade e em especial as regras
aplicáveis ao PNCF. E em relação às APs no geral, eu acho que passados quase 20
anos após a institucionalização das APs na Guiné-Bissau é já altura para
fazermos um balanço sério e construtivo relativamente ao modelo de gestão da
APs na Guiné-Bissau e, qui ça, repensar o modelo. É urgente proceder a uma nova
revisão da LQAP para clarificar melhor as competências do IBAP, das ONG´s e da
comunidade local na gestão das APs. Isto porque, por um lado, tem havido
conflitos positivos de competências entre o IBAP e instituições estatais que,
em razão da matéria, têm a competência de gestão dos RN (pesca e floresta) e
por outro lado, tem havido frequentemente, nos últimos anos, conflitos ou se
preferirem desentendimentos entre ONG´s e os membros comunidade local. Alguém
consegue explicar porquê é que alguns membros da comunidade onde o projeto está
a ser construído insurgiram contra vozes que estão a contestar o projeto? Podem
não ter a consciência dos prejuízos que a implementação do projeto poderá
acarretar; podem ser incitados pelos políticos a proferirem tais declarações
mediante uma quantia em troca ou uma promessa; mas será que essas são as únicas
interpretações e perspetivas de ver o assunto? 9 Não sei a resposta, só sei que
é preciso debater seriamente o atual modelo de gestão das APs. Por outro lado,
é necessário investir mais e mais na educação ambiental dos nossos governantes
e da sociedade guineense em geral para uma vrai tomada de consciência
ambiental. Tudo o mundo acha que é bom conservar o ambiente mas, na prática,
poucos fazem algo. Temos um problema ambiental grave mas que, por incrível que
pareça, não tem merecido o devido tratamento. Refiro-me aos lixos nos centros
urbanos… é preciso investi na formação de quadros nos domínios do ambiente e
conservação. é preciso criminalizar certas condutas na natureza; é preciso um
regime jurídico das contraordenações ambientais que não existe, etc. Um dos
cartões de visita da Guiné-Bissau é a sua rica biodiversidade e os nossos
governantes fazem a questão, quando participam em encontros internacionais, de
realçarem esse fato, principalmente a larga superfície do território que é
coberto pelo SNAP. Mas pergunto, na prática o que fazem para as APs? Quem é que
financia as atividades de conservação que são implementados nas APs? Tal como
prevê o plano estratégico e operacional terra ranka, o ambiente deve ser um
tema transversal na definição de politicas públicas de desenvolvimento e, como
dizia alguém, a política do ambiente deve esverdear as outras políticas
setoriais se, de fato, queremos um desenvolvimento sustentável e sustentado na
Guiné-Bissau. Tenho dito!
Muito obrigado pela atenção!
Muito bom. Parabéns ;)
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ResponderEliminarMuito obrigado é todo nosso jovem Wilker força.
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